Por: Tiffany Valentine¹ e Paloma Aysha²
O agravamento da crise climática não afeta todas as populações da mesma forma. Enquanto os impactos ambientais se intensificam, os efeitos são desigualmente distribuídos, atingindo de forma mais severa comunidades historicamente marginalizadas. No Brasil, onde a transfobia estrutura relações sociais e institucionais, pessoas trans e travestis estão entre os grupos mais vulnerabilizados pela degradação ambiental e pela precarização dos territórios.
A relação entre a justiça climática e os direitos das pessoas trans ainda é pouco debatida, mas é urgente. A emergência climática não é apenas uma questão ecológica, mas também social e política, e seus efeitos ampliam desigualdades já existentes. O deslocamento forçado por eventos climáticos extremos, a precarização do acesso à moradia e a violenta exclusão do mercado de trabalho são algumas das dinâmicas que aprofundam a vulnerabilidade das populações trans e travestis diante da crise ambiental.
A emergência climática se traduz, cada vez mais, em eventos extremos – secas prolongadas, chuvas intensas, enchentes e deslizamentos de terra. Para populações cisgêneras que vivem em áreas vulneráveis, esses desastres já representam riscos severos. Para pessoas trans e travestis, esses riscos se somam a barreiras sociais que dificultam ainda mais o acesso a direitos básicos e a mecanismos de proteção.
O direito à moradia, por exemplo, é uma questão central na interseção entre transfobia e justiça climática. Parte da população trans brasileira é expulsa de casa ainda na adolescência, sendo forçada a viver em situação de rua ou em habitações precárias. Em um contexto de crise ambiental, isso significa maior exposição a desastres climáticos e menor possibilidade de recuperação após eventos extremos. A ausência de políticas públicas inclusivas aprofunda essa vulnerabilidade, uma vez que os abrigos emergenciais e programas de assistência raramente consideram a realidade de pessoas trans, tornando sua permanência nesses espaços perigosa ou inviável.
Além disso, o acesso a trabalho e renda segue sendo um dos principais desafios para essa população. A transfobia estrutural impede que muitas pessoas trans tenham oportunidades no mercado formal, empurrando-as para trabalhos informais e altamente precarizados. A crise climática impacta diretamente essas formas de sobrevivência – enchentes e tempestades afetam o trabalho de ambulantes e autônomas, enquanto o aumento das temperaturas compromete a saúde de quem trabalha nas ruas.
A justiça climática não pode ser pensada sem considerar os atravessamentos de gênero, raça e classe. No Brasil, mulheres negras, indígenas, trans e travestis são historicamente excluídas dos espaços de decisão política e ambiental. Isso significa que as soluções adotadas para mitigar os impactos da crise climática costumam ignorar suas necessidades e formas de resistência.
No entanto, resistências trans e travestis sempre existiram e seguem sendo fundamentais para a construção de um futuro mais justo. Em diferentes territórios, pessoas trans estão articuladas em redes de apoio mútuo, desenvolvendo práticas comunitárias de sobrevivência e defesa dos territórios. Iniciativas de economia solidária, ocupações urbanas e projetos de agroecologia liderados por pessoas trans são exemplos de como essa população tem buscado autonomia e sustentabilidade em um sistema que as exclui.
Para garantir que a justiça climática seja realmente para todas as pessoas, é essencial que políticas públicas ambientais incluam perspectivas trans e travestis em sua formulação. Isso passa pelo reconhecimento da transfobia como um fator de vulnerabilização climática, pelo fortalecimento de redes comunitárias lideradas por pessoas trans e pelo investimento em políticas de habitação, renda e trabalho que considerem a diversidade de corpos e experiências.
A crise climática não é apenas uma questão ambiental – é também uma crise de direitos humanos. E enquanto políticas excludentes tentam exterminar corpos dissidentes, as resistências trans e travestis seguem criando caminhos para um futuro mais justo e sustentável.
¹Travesti negra, ativista dedicada à justiça climática. Atualmente, é Coordenadora Assistente de Articulação Política e Organização.
²Trans, dançarina e modelo. Ativista dentro do movimento LGBTQIA+, foi a primeira mulher trans de Santo Amaro (BA) a se candidatar a vereadora na cidade.