Texto publicado originalmente no Blog da Rede Comuá
Por: Albert França da Costa*
A justiça social, com suas muitas nuances, não é apenas um termo, mas um horizonte guia para o trabalho incansável dos movimentos sociais e associações de base comunitária. Essas organizações, movimentos e coletivos atuam na luta diária por direitos, em grande parte das vezes os básicos como moradia, segurança alimentar, terra e território; obviamente essas lutas são sempre atravessadas pelos marcadores que empurram as pessoas que compõem essas organizações a lutar. Apesar de ser linha de frente da defesa, proteção e/ou desenvolvimento dos seus territórios, ora são excluídos, ora são afastados de uma série de debates que tem como centro o poder, e um deles é a filantropia no Brasil.
Em um artigo intitulado “A (contra) reforma dos direitos humanos e sociais na América Latina”, Eduardo Manuel Val cita a “criminalização dos movimentos sociais, acusados de terrorismo, e articulação de processos jurídicos sucessivos que, de forma abusiva, passam a exercer uma coação permanente sobre os movimentos sociais, atingindo a liberdade pessoal de seus dirigentes e eliminando as fontes e os recursos financeiros que possibilitam suas atividades”. Em um cenário de criminalização contínua dos movimentos sociais, é essencial levantar as informações necessárias para entender seus objetivos, apoiar suas lutas e os incluir nas tomadas de decisão do campo.
Se a filantropia visa reduzir desigualdades e o campo da filantropia de justiça social foca na transferência de poder, o fomento da pesquisa e produção de conhecimento nessa área é essencial para ter dados mais robustos e fazer leituras mais sensíveis. A pesquisa guiada por essas diretrizes não são apenas os dados coletados junto aos movimentos sociais e associações comunitárias de base, mas um eco de suas vozes e potencialidades.
Nesse sentido, o Programa Saberes desenvolve um papel fundamental no campo. Ele cria um espaço para atores que estão na base e no dia a dia dentro das lutas possam apresentar, de dentro para fora, suas necessidades, questões e posicionamentos sobre o que está sendo construído. Isso significa levar em consideração as experiências vividas e as perspectivas das pessoas diretamente envolvidas para a compreensão e a formulação de estratégias eficazes de uma filantropia que tenha no seu programa a justiça social como elemento fundamental.
Como pesquisador do Programa Saberes, tenho conseguido sistematizar algumas das pontuações colocadas pelos movimentos sociais e associações de base comunitária relacionadas a suas dificuldades de se compreender no campo. Ao entrevistar líderes e membros dessas organizações, ficou claro que a imagem predominante da filantropia está centralizada nos grandes filantropos, cujo poder influencia diretamente as ações financiadas. Apresentar que o termo filantropia nem sempre tem que ser algo distante de nós que estamos na base, é um desafio. As organizações apresentam uma distância percebida entre o campo e a base, mas não uma distância apenas em termos geográficos, mas em escuta ativa e participação nas decisões. A falta de acesso a uma comunicação adequada, a burocracia engessada e os modelos herméticos foram mencionados como obstáculos significativos. Portanto, a pesquisa não apenas evidencia essas questões, mas também destaca a importância de desafiar e reconstruir as concepções convencionais de filantropia, garantindo que as vozes e necessidades dos territórios sejam verdadeiramente consideradas e valorizadas no processo de tomada de decisão.
Levantar as informações necessárias não é apenas uma questão de coleta de dados. Trata-se de ouvir, reconhecer e valorizar as vozes daqueles que estão nos territórios. Esse enfoque participativo e inclusivo permite que as pesquisas reflitam mais fielmente a realidade e as necessidades das comunidades envolvidas, contribuindo para soluções mais justas e sustentáveis.
O campo deve olhar com mais sensibilidade e atenção para fomento a pesquisa, mas não focar apenas em produções academicistas. São necessárias produções de base, que levem em consideração os múltiplos fatores que limitam a participação dos movimentos sociais e de base comunitária. Esse é um passo crucial para garantir que a filantropia de justiça social cumpra seu objetivo de promover uma mudança real e equitativa de poder.
*NOTA: Este artigo faz parte do projeto de pesquisa “A dificuldade de acesso dos movimentos sociais a recursos e a construção de uma nova cultura política de doação”, de Albert França da Costa, desenvolvida no âmbito do Programa Saberes da Rede Comuá.
AUTOR: Albert França da Costa é estudante, pesquisador e ativista engajado há sete anos nas lutas sociais, militante do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e Coordenador da Pacová – Articulação de Cooperação do Campo à Cidade, e tem se dedicado intensamente à causa da justiça social.