Por Joseane de Jesus¹, Sabrina Vaz² e Nathalia Nunes³
A conservação dos recursos hídricos esteve atrelada a lutas intensas ao longo da história. Essa resistência se manifesta tanto por meio de pautas locais quanto pela inclusão da voz feminina nas discussões, refletindo a força ancestral das mulheres e sua busca contínua por sabedoria. No dia 8 de março, quando celebramos a luta das mulheres por dignidade, direitos e justiça, também honramos essa força ancestral que as impulsiona.
Essa conexão sagrada reflete-se na luta histórica pela conservação dos recursos hídricos, onde as mulheres desempenham um papel fundamental, seja na criação de políticas públicas, seja na resistência em pautas locais. Assim, reafirmamos a presença feminina como essencial na defesa do meio ambiente e na construção de um futuro mais sustentável e igualitário. Essa realidade se evidencia em territórios como o Rio Utinga, onde a atuação feminina é central na luta pelos direitos fundamentais da comunidade.
As mulheres têm um papel essencial na conservação do meio ambiente, na transmissão de saberes tradicionais e na busca por maior representação em decisões político-ambientais. Sua atuação fortalece a comunidade ao longo das gerações, garantindo a preservação dos recursos naturais e a continuidade dos modos de vida tradicionais. As comunidades ao redor do Rio Utinga, localizado na Chapada Diamantina, Bahia, são compostas por diversos grupos, incluindo indígenas, quilombolas e pequenos agricultores familiares. As mulheres dessas comunidades estão na linha de frente da preservação ambiental e da defesa de seus direitos, enfrentando desafios crescentes.
A expansão das monoculturas de banana na região tem impactado diretamente a vazão do Rio Utinga e, consequentemente, a disponibilidade de água para as famílias ribeirinhas. Diante dessas problemáticas, a presença feminina se destaca não apenas nas páginas dos jornais locais, mas também na resistência ativa contra a degradação ambiental.
Figuras como Edilene Payayá, coordenadora-geral do Movimento Associativo Indígena Payayá (MAIP) e integrante do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraguaçu (CBHP), são exemplos dessa resistência. Edilene atua na defesa dos direitos indígenas e na preservação dos recursos hídricos, promovendo ações de reflorestamento e conservação da vegetação nativa na região de Utinga, enfatizando a importância de conservar a natureza pensando nas gerações futuras. Outra liderança fundamental é Luciana Kariri, conselheira do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Grande, que exemplifica a importância dessas mulheres como agentes transformadoras em seus territórios.
Além disso, organizações como a Associação de Mulheres da Lagoa Bonita colaboram com o Observatório do Rio Utinga em iniciativas de preservação ambiental e fortalecimento das comunidades locais. Essas mulheres estão envolvidas em atividades de pesquisa, monitoramento de políticas públicas e promoção da justiça socioambiental, visando à conservação do rio e ao bem-estar das populações que dele dependem.
A luta dessas mulheres está intrinsecamente ligada a uma força ancestral que as impulsiona. No candomblé, essa força é representada pelas Yabás – orixás femininas que simbolizam poder, resistência e sabedoria. Além de guerreiras, mães e cuidadoras, as Yabás também guardam a natureza, especialmente as águas, essenciais para a vida e para a manutenção do planeta.
Oxum, senhora das águas doces, dos rios e da fertilidade, ensina que preservar os rios é preservar a própria vida. No Brasil, mulheres indígenas, quilombolas e periféricas lideram importantes movimentos contra a destruição dos rios e dos territórios. Assim como Oxum, elas compreendem que, sem água, não há vida; e, sem vida, não há futuro.
Nanã, orixá da lama e dos pântanos, nos lembra da sabedoria ancestral e da necessidade de respeitar os ciclos da natureza. Assim como as mulheres carregam dentro de si o conhecimento transmitido por suas mais velhas, os rios carregam a memória da terra, sendo testemunhas da história e fonte de sustento para muitas comunidades. O descaso com as águas, poluindo e destruindo nascentes, reflete a mesma lógica de exploração e negligência que atinge as mulheres, especialmente aquelas que dependem diretamente desses recursos.
Iansã, com seus ventos e tempestades, representa a força das mulheres que não se calam diante das injustiças. Seu poder nos lembra que a natureza responde aos excessos da humanidade e que, sem respeito e equilíbrio, sofremos as consequências da destruição ambiental. A luta das mulheres por direitos está diretamente ligada à luta pela sustentabilidade, pois são elas que, em muitos lugares do mundo, enfrentam os impactos da crise climática, da falta de saneamento e do acesso desigual à água.
Neste 8 de março, precisamos honrar a força das Yabás e reconhecer que a luta das mulheres é também a luta pela preservação da natureza. Quando protegemos os rios, estamos protegendo a vida, quando fortalecemos as mulheres, estamos garantindo um futuro sustentável. Que a energia de Oxum nos ensine a cuidar das águas, que a sabedoria de Nanã nos lembre da importância da ancestralidade e que os ventos de Iansã nos dêem coragem para seguir resistindo.
¹ Joseane de Jesus é Mulher Negra, Bacharelanda Interdisciplinar em Humanidades, Assessora de Operações da Pacová, Pesquisadora do Observatório do Rio Utinga e Educadora Popular. Ativista pelo direito das mulheres negras e pela justiça socioambiental e mãe de Dandara.
² Sabrina Vaz é estudante de Biologia, pesquisadora no Observatório do Rio Utinga e ativista dedicada à dignidade menstrual e à conservação do meio ambiente.
³ Nathalia Nunes é bacharel em Gestão Ambiental, pesquisadora no Observatório do Rio Utinga e se especializando em participação social e justiça socioambiental