Por que a Filantropia Solidária?

No Brasil e no mundo, a palavra filantropia ainda carrega o peso de uma tradição baseada no assistencialismo, mas essa visão tradicional tem se mostrado limitada diante dos desafios estruturais que enfrentamos: a desigualdade racial e de gênero, a violência contra populações periféricas, a emergência climática, o avanço do autoritarismo e o desmonte dos direitos sociais. Na Pacová, acreditamos em outro caminho: o da filantropia solidária. Uma forma de doar que não reforça hierarquias, mas constrói pontes. Que não parte da lógica de cima para baixo, mas sim de um compromisso coletivo com a transformação social. Uma prática que reconhece que os movimentos sociais, as comunidades e os territórios sabem o que precisa ser feito — e precisam apenas de condições para seguir fazendo.

A filantropia solidária representa uma mudança profunda na forma como pensamos o financiamento de iniciativas que estão na linha de frente na luta por direitos. Ela rompe com a lógica da doação vertical, em que quem tem o dinheiro dita as regras, e propõe um modelo horizontal, baseado na parceria, na escuta e no respeito à autonomia. Nessa abordagem, doar não é um ato de benevolência, mas de corresponsabilidade com a justiça social.

 

Acreditamos que é preciso enfrentar não apenas os sintomas das injustiças — como a fome, a falta de moradia ou o desemprego —, mas também as causas estruturais que os produzem: o racismo, o patriarcado, a desigualdade econômica, a concentração fundiária, o modelo de desenvolvimento predatório. A filantropia solidária, nesse sentido, se alinha com os movimentos que atuam na raiz dos problemas e propõe soluções coletivas, construídas por quem vive essas realidades no cotidiano. 

Vivemos num país onde a cultura de doação ainda é frágil — e, quando existe, costuma estar desconectada das raízes profundas dos problemas. Mas se queremos outro futuro, precisamos transformar também o jeito de doar. Doar pode (e deve) ser um ato político. Um gesto de reconhecimento das lutas populares. Uma escolha por se comprometer com quem resiste à margem do sistema. Uma ferramenta para tensionar estruturas e não apenas aliviar sintomas. Mais do que apoiar pontualmente, essa forma de financiamento aposta em relações de longo prazo. Ela reconhece que mudanças profundas não se fazem de um dia para o outro, e que é necessário criar vínculos duradouros, com confiança mútua e espaço para a construção conjunta. Doar, nesse contexto, é um ato político. É reconhecer e redistribuir poder, é fortalecer as redes populares que sustentam o país, mesmo quando não estão nos noticiários ou nos editais tradicionais.

A filantropia solidária também nos convoca à transparência e à responsabilidade compartilhada. Não se trata apenas de onde vem o recurso, mas de como ele é usado, para quem ele chega e com que propósito. O foco não está em relatórios excessivos ou metas padronizadas, mas no impacto real nas vidas das pessoas e na potência dos territórios.

Na Pacová, todos os nossos programas e ações têm esse compromisso. Apoiamos movimentos sociais, coletivos e organizações de base comunitária com recursos financeiros, mas também com apoio institucional, articulação em rede e visibilidade. Atuamos lado a lado, respeitando o tempo, a linguagem e os modos de organização de cada grupo. Não impomos condições: construímos relações. Nosso apoio é de longo prazo — porque entendemos que as transformações profundas exigem tempo, consistência e confiança mútua. Caminhamos juntos, fortalecendo trajetórias que já existem e criando pontes para que possam seguir avançando com autonomia.

Porque acreditar na filantropia solidária é acreditar que outro mundo é possível — e que ele já está sendo construído nas bordas do sistema, pelos povos indígenas, pelos quilombolas, pelas mulheres negras, pelos sem-teto, pelos pequenos agricultores, pelos jovens das periferias, pelas comunidades que resistem. E o nosso papel é somar forças.

Se você acredita que a filantropia pode ser uma ferramenta de justiça, se você acredita que doar é uma forma de tomar partido, então você acredita na filantropia solidária.