1. Introdução: Compromisso Político e Perspectiva Histórica
A Pacová – Articulação de Cooperação do Campo à Cidade – assume, com esta política institucional, o compromisso inegociável com a equidade racial como um eixo estruturante de sua existência e atuação. Atuamos por justiça social e socioambiental, compreendendo que ambas são inalcançáveis sem enfrentar radicalmente as desigualdades raciais em sua intersecção com gênero, classe, território, sexualidade e geração.
Entendemos que não é possível transformar estruturas de desigualdade sem enfrentar as raízes históricas do racismo, que organizam a sociedade brasileira desde a colonização. Reconhecemos que o racismo estrutura as relações sociais, econômicas, culturais e políticas, e que ele se expressa de forma profunda nos territórios em que atuamos, atravessando também os próprios espaços organizativos da sociedade civil. Nos baseamos em leituras e práticas políticas que articulam crítica ao capitalismo, ao colonialismo e ao patriarcado, reconhecendo o racismo como pilar da exploração e da reprodução das desigualdades no Brasil. Como destaca Clóvis Moura, o racismo está entranhado na base econômica e política da sociedade brasileira, e não pode ser enfrentado sem uma transformação estrutural. Sueli Carneiro nos lembra que enfrentar o racismo é disputar poder e reorganizar profundamente as relações sociais. Já Beatriz Nascimento nos ensina que quilombo é muito mais do que uma herança do passado: é uma tecnologia social de liberdade. A líder indígena Sônia Guajajara, por sua vez, afirma que não existe justiça social sem justiça para os povos originários e que a luta antirracista precisa reconhecer as múltiplas formas de violência e resistência que marcam os territórios indígenas.
Segundo o IBGE (2022), pessoas negras (pretas e pardas) representam mais da metade da população brasileira, mas seguem enfrentando desigualdades brutais em todos os indicadores sociais: ocupam os postos mais precarizados no mundo do trabalho, são a maioria entre as vítimas de violência estatal, compõem o maior número de pessoas em situação de fome, e têm menos acesso à saúde, educação, moradia e direitos básicos. O racismo ambiental e territorial impacta diretamente os modos de vida, a segurança alimentar e a soberania dos povos tradicionais, quilombolas, ribeirinhos, indígenas e das comunidades periféricas.
Diante disso, esta política institucional busca reconhecer desigualdades internas e externas, fortalecer ações afirmativas e construir práticas cotidianas de reparação, redistribuição e justiça racial. É um instrumento político e pedagógico para guiar a atuação da Pacová de forma comprometida com a transformação das estruturas racistas e a promoção da equidade como um direito e um princípio organizador de nossa prática.
2. Concepção de Equidade e Paridade Racial
Entendemos equidade racial como a construção ativa de condições políticas, institucionais e sociais que garantam a superação das desigualdades históricas e estruturais que atingem povos e comunidades negras, indígenas e outros grupos racializados. A equidade exige o reconhecimento das diferentes formas de opressão – como o racismo institucional, ambiental, epistêmico, religioso e territorial – e a criação de mecanismos que assegurem oportunidades reais de participação, decisão, redistribuição de recursos e valorização de saberes.
Paridade racial, por sua vez, se refere ao compromisso concreto de garantir representatividade proporcional da população negra, indígena e racializada em espaços de poder, decisão e formulação de políticas. Isso inclui pensar critérios de composição de equipes, instâncias decisórias, seleção de projetos e alocação de recursos, sempre com foco na superação das desigualdades raciais.
Equidade e paridade são, juntas, caminhos para fortalecer o protagonismo das organizações e coletivos racializados, ampliar vozes historicamente silenciadas e construir novas formas de organização que rompam com lógicas de exclusão e violência racial.
3. Princípios Orientadores
Justiça racial e reparação histórica
Redistribuição de recursos com critérios de equidade racial
Valorização das identidades, culturas e saberes negros, indígenas e periféricos
Interseccionalidade como lente de análise e ação
Antirracismo como prática cotidiana, política e institucional
Corresponsabilidade de toda a equipe e das instâncias decisórias
Participação ativa das populações racializadas na construção de estratégias, políticas e avaliações
4. Diretrizes e Compromissos
Gestão institucional
Garantir paridade racial na equipe, com atenção à diversidade de gênero e territorial.
Adoção de critérios antirracistas em processos internos de tomada de decisão e gestão de conflitos.
Garantia de condições igualitárias de permanência, bem-estar e ascensão profissional.
Criar e manter canais internos seguros, acessíveis e com protocolos claros para denúncias de assédio, discriminação e violência racial.
Instâncias Decisórias
Assegurar composição paritária nos Conselhos e demais instâncias estratégicas da organização.
Inclusão de representantes de coletivos e territórios racializados nas decisões estratégicas.
Monitoramento da composição racial desses espaços e medidas para correção de desequilíbrios.
Programas e Projetos
Apoios a organizações e iniciativas lideradas por pessoas negras, indígenas e periféricas.
Integração de critérios de equidade racial em todos os editais, seleções e parcerias.
Fortalecimento de práticas e tecnologias sociais construídas nos territórios racializados.
Comunicação
Produção e divulgação de conteúdos que valorizem as narrativas, lutas e saberes de povos negros e indígenas.
Linguagem inclusiva e antirracista nos materiais institucionais.
Criação de campanhas e ações de incidência que enfrentem o racismo.
Apoio a Organizações e Iniciativas
Fortalecimento de coletivos e movimentos negros, indígenas e quilombolas.
Apoio à regularização, estruturação e sustentabilidade dessas iniciativas.
Reconhecimento das formas próprias de organização e resistência desses grupos.
Articulação e Incidência
Participação ativa em redes, campanhas e espaços de mobilização antirracista.
Incidência política em defesa dos direitos das populações racializadas, especialmente em agendas relacionadas à terra, território, água, soberania alimentar, comunicação e justiça climática.
Posicionamento público diante de violações de direitos e violências raciais.
Formação, Publicações e Pesquisas
Realização de ciclos formativos internos e externos sobre racismo, branquitude, privilégio, colonialismo e reparação.
Inclusão de conteúdos sobre equidade racial em todas as formações temáticas da Pacová.
Envolvimento de facilitadores/as e organizações negras e indígenas nesses processos.
Produção de materiais que visibilizem experiências de enfrentamento ao racismo nos territórios.
Inclusão da perspectiva racial nas análises e diagnósticos elaborados pela organização.
Apoio à produção de conhecimento realizado por pesquisadores/as negros, indígenas e periféricos/as.
5. Implementação e Monitoramento
A Pacová incluirá toda a equipe e conselhos no processo de acompanhamento, sendo responsáveis por:
Monitorar a aplicação desta política em todas as dimensões da organização.
Produzir relatórios anuais com indicadores, avanços e desafios.
Propor atualizações da política com base em escutas e avaliações.
Acompanhar os canais de acolhimento e denúncia, assegurando sigilo, escuta ética e medidas efetivas.
Além disso, os planos operacionais da organização deverão conter metas e recursos destinados à implementação desta política.
Esta política foi aprovada e será efetiva a partir de abril de 2024.