1. Introdução: Compromisso Político e Perspectiva Histórica
A Pacová – Articulação de Cooperação do Campo à Cidade – assume, com esta política institucional, o compromisso inegociável com a equidade de gênero como um eixo estruturante de sua existência e atuação. Atuamos por justiça social e socioambiental, compreendendo que ambas são inalcançáveis sem enfrentar radicalmente as desigualdades de gênero em sua intersecção com raça, classe, território, sexualidade e geração.
O patriarcado, em aliança histórica com o capitalismo e o colonialismo, produziu um sistema de dominação que explora corpos, territórios e saberes, hierarquizando a vida e desumanizando pessoas. Como aponta Angela Davis, “o racismo, o sexismo e o capitalismo não são estruturas isoladas; eles se alimentam mutuamente”. Essa compreensão é também atravessada pelas contribuições do feminismo negro brasileiro, que nos ensina a partir da prática e da vida, como nos legados de Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento e Sueli Carneiro, e ainda pelas perspectivas feministas camponesas e populares construídas por mulheres do campo, das águas e das florestas.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD, 2023), mulheres brasileiras, especialmente negras e periféricas, seguem enfrentando desigualdades profundas no acesso à renda, à terra, à água, à representação política e ao reconhecimento de seus saberes e lutas. No interior das organizações da sociedade civil, não é diferente: são comuns os desequilíbrios de poder, a reprodução de práticas machistas e a invisibilização das contribuições femininas.
Diante disso, esta política institucional nasce como instrumento de enfrentamento, transformação e compromisso permanente. Ela se conecta com os movimentos feministas e populares que historicamente resistem, produzem alternativas e reinventam o mundo – com justiça, solidariedade e liberdade.
2. Concepção de Equidade e Paridade de Gênero
A Pacová compreende equidade de gênero como a ação concreta de corrigir desigualdades estruturais e históricas por meio de medidas específicas que garantam o acesso justo e digno de todas as pessoas às condições de vida, participação e poder. A equidade reconhece que tratar todos de forma igual não gera justiça quando os pontos de partida são profundamente desiguais.
A paridade de gênero, por sua vez, é entendida como a garantia de que mulheres, pessoas trans, travestis e não binárias tenham representação equitativa e efetiva em todos os espaços de decisão e formulação política da organização. Mais do que números, trata-se da criação de condições para o exercício pleno do poder por sujeitos historicamente excluídos dos centros de decisão.
Estas duas dimensões não são metas futuras, mas pilares atuais e permanentes da construção institucional da Pacová.
3. Princípios Orientadores
Compromisso com a transformação estrutural das relações de gênero.
Centralidade da perspectiva interseccional nas análises, práticas e decisões.
Reconhecimento das epistemologias feministas, negras, indígenas e populares.
Autonomia dos corpos, dos territórios e dos saberes.
Prática do cuidado como dimensão coletiva, política e institucional.
Enfrentamento de todas as formas de violência, discriminação e opressão.
Corresponsabilidade de toda a organização com a equidade de gênero.
4. Diretrizes e Compromissos
a. Gestão Institucional
Garantir paridade de gênero na equipe, com atenção à diversidade racial e territorial.
Adotar políticas internas de cuidado, escuta ativa, horários flexíveis, licença parental igualitária e suporte a pessoas em situação de violência.
Criar e manter canais internos seguros, acessíveis e com protocolos claros para denúncias de assédio, discriminação e violência de gênero.
b. Instâncias Decisórias
Assegurar composição paritária nos Conselhos e demais instâncias estratégicas da organização.
Garantir a escuta qualificada e a participação ativa de pessoas de diferentes expressões de gênero, com foco em grupos sub-representados.
Revisar estatutos e regimentos para institucionalizar a paridade como princípio permanente.
c. Programas e Projetos
Incorporar análise de gênero em todas as etapas: diagnóstico, planejamento, execução, monitoramento e avaliação.
Apoiar iniciativas lideradas por mulheres, pessoas trans, travestis e não binárias, especialmente em territórios historicamente excluídos.
Coletar e sistematizar dados desagregados por gênero e raça para embasar decisões e políticas.
d. Comunicação
Utilizar linguagem inclusiva e não sexista em todos os materiais da organização.
Visibilizar a atuação de mulheres, pessoas trans e lideranças femininas nos territórios e nas ações da Pacová.
Produzir conteúdos que fortaleçam narrativas feministas, antirracistas e populares.
e. Apoio a Organizações e Iniciativas
Priorizar o fortalecimento institucional de organizações com atuação feminista e/ou lideradas por mulheres e gênero-dissidências.
Incentivar que as organizações apoiadas também construam suas políticas de equidade de gênero.
Condicionar parcerias institucionais a compromissos mínimos com a equidade.
Articulação e incidência
Participar e fortalecer redes feministas e de mulheres, especialmente as que articulam campo, cidade e floresta.
Ampliar a presença da Pacová em agendas de incidência política relacionadas à justiça de gênero.
Contribuir para a visibilização da luta das mulheres nos espaços públicos e políticos.
g. Formação, Publicações e Pesquisas
Promover formações contínuas com equipe, conselheiros, apoiadores e organizações-parceiras sobre gênero e interseccionalidades.
Produzir materiais de comunicação e formação com abordagem feminista, popular e antirracista.
Assegurar que pesquisas e publicações da Pacová incorporem análise de gênero e protagonismo de pesquisadoras e autoras de territórios populares, negras, indígenas e trans.
5. Implementação e Monitoramento
A Pacová incluirá toda a equipe e conselhos no processo de acompanhamento, sendo responsáveis por:
Monitorar a aplicação desta política em todas as dimensões da organização.
Produzir relatórios anuais com indicadores, avanços e desafios.
Propor atualizações da política com base em escutas e avaliações.
Acompanhar os canais de acolhimento e denúncia, assegurando sigilo, escuta ética e medidas efetivas.
Além disso, os planos operacionais da organização deverão conter metas e recursos destinados à implementação desta política.
Esta política foi aprovada e será efetiva a partir de abril de 2024.