Texto publicado originalmente no Blog da Rede Comuá
Por: Albert França da Costa*
Os movimentos sociais e de base comunitária são pilares essenciais na luta pela justiça social. Atuando tanto em áreas urbanas quanto rurais, desempenham um papel crucial na defesa da democracia, dos recursos naturais, na promoção de direitos e na construção de espaços de debate e fomento à participação social, sobretudo das populações excluídas e marginalizadas. No entanto, apesar da relevância desse trabalho para o desenvolvimento dos territórios, enfrentam desafios significativos no acesso a recursos financeiros, tanto de fontes filantrópicas quanto públicas.
A seguir, trago uma introdução aos dados coletados a partir das entrevistas que fiz em Utinga – BA, com organizações que atuam no território, pequenas associações que têm um grande impacto local, e em Salvador – BA, com movimentos de luta por moradia que têm atuação regional, mas também a nível nacional. As pessoas entrevistadas nos apresentam algumas informações importantes sobre as dificuldades enfrentadas e a necessidade de mobilização de recursos para suas iniciativas.
Associação Comunitária e Cultural de Utinga (ACCU)
A ACCU, organização que trabalha no fomento à cultura no município de Utinga através de caravanas de teatro, em entrevista dada pelo seu presidente relata que enfrenta dificuldades substanciais na captação de recursos e no processo de formalização. Apesar de promover iniciativas voltadas para as artes cênicas e fomento à cultura, a associação tem acesso limitado ao conhecimento sobre fundos filantrópicos, tendo até hoje captado recursos apenas através de leis de incentivo à cultura, e enfrenta desafios relacionados à falta de conhecimento técnico e à burocracia. A ACCU já tentou obter apoio de diversas fontes, mas continua lutando para superar as barreiras na formalização e no processo de captação de recursos.
Associação de Artesãos de Utinga (ADAU)
A ADAU é uma associação de classe onde se reúnem os artesãos de Utinga para realização de oficinas para a comunidade e comercialização de seus produtos na Casa do Artesão, espaço que também funciona como sede e é pago com a contribuição dos membros. Em entrevista dada pela sua presidenta, uma mulher negra que tem um trabalho histórico reconhecido no território, a associação enfrenta uma série de desafios semelhantes à ACCU. A falta de apoio financeiro do poder público e a dependência de contribuições associativas e doações comunitárias evidenciam a dificuldade em garantir uma base financeira sólida. Apesar da sua auto sustentação e das feiras de artesanato que realiza, a ADAU lida com a burocracia e a falta de conhecimento técnico como obstáculos significativos para a captação de recursos e a elaboração de projetos.
Associação Unidos de Umburana
A Associação Unidos de Umburana, que existe desde os anos 1980, é uma organização que trabalha pelo desenvolvimento sustentável do povoado de Umburana e também no fortalecimento da agricultura familiar no território, dirigida há muitos anos por agricultores familiares. Em entrevista feita com seu presidente, ele destacou que a associação tem como principal fonte de financiamento o aluguel de um equipamento próprio – um trator. No entanto, a burocracia, a falta de acesso a tecnologias e falta de uma comunicação que chegue até o território têm sido barreiras persistentes. Embora a associação tenha conseguido recursos de órgãos públicos e organizações privadas, como a Cáritas e a Articulação do Semiárido (ASA), a dificuldade em lidar com a complexidade dos processos burocráticos continua a ser um desafio.
Movimento Associativo Indígena Payayá
O Movimento Associativo Indígena Payayá, organização associativa do Povo Indigena local, trabalha pelo fortalecimento da identidade e reconhecimento do povo Payayá, além de ser fundamental no trabalho de preservação dos recursos naturais, como o Rio Utinga e sua bacia. Na entrevista, a associação foi representada pelo Pajé do povo Payayá, e foram abordadas questões complexas relacionadas à defesa dos recursos naturais e hídricos da cidade e à obtenção de recursos. A associação enfrenta um cenário de criminalização e uma estrutura burocrática que dificulta acesso a recursos.
Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM)
O Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) é um movimento que tem como objetivo central, segundo a pessoa entrevistada, prover moradia. A entrevista, feita em Salvador, foi com uma membra da coordenação nacional do MNLM, que destacou como o movimento enfrenta desafios significativos na busca e na obtenção de recursos financeiros. O MNLM lida com uma complexidade burocrática que dificulta o acesso a fundos, refletindo uma realidade em que a captação de recursos é frequentemente obstruída por processos complexos e falta de suporte técnico adequado. O movimento tem buscado recursos tanto de fontes públicas quanto privadas, mas a dificuldade em navegar pelos procedimentos e a falta de conhecimento específico são problemas recorrentes.
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)
O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), maior movimento social urbano, atua em diversas frentes como luta por moradia urbana, educação e soberania alimentar com as Cozinhas Solidárias. A entrevista foi feita em Lauro de Freitas, com um membro da coordenação nacional do movimento, e revelou desafios semelhantes aos do MNLM. A busca por recursos enfrenta barreiras relacionadas à burocracia e à falta de acesso a informações claras sobre os requisitos das organizações financiadoras. O MTST, com sua atuação nacional e regional, enfrenta uma realidade em que a complexidade dos processos de financiamento e a falta de suporte técnico adequado são obstáculos significativos. O movimento continua a lutar para superar essas barreiras e garantir o financiamento necessário para suas atividades e projetos.
É importante destacar que, durante as entrevistas, a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) foi destacado como um exemplo positivo de organização grantmaker que valoriza o trabalho das associações e movimentos sociais. A CESE tem sido uma fonte importante de apoio para algumas dessas organizações, ajudando a superar a escassez de recursos. Além disso, a Cáritas também foi mencionada como uma organização que já contribuiu para o financiamento de projetos. Embora o apoio de tais organizações seja valioso, ele ainda é insuficiente frente à ampla demanda e às dificuldades enfrentadas pelos movimentos e associações de base comunitária.
Uma análise breve das entrevistas revela desafios comuns e recorrentes enfrentados por essas organizações, destacando-se: burocracia excessiva, falta de conhecimento técnico sobre os processos, acesso a recursos não-flexíveis, falta de comunicação adequada.
Estas dificuldades destacam a necessidade urgente de reavaliar as abordagens atuais de financiamento e filantropia, promovendo um modelo mais inclusivo e acessível. Esses movimentos desempenham um papel fundamental na manutenção e defesa da democracia, na luta pela justiça social e ambiental, e devem ser priorizados na alocação de recursos. Garantir que esses grupos tenham o suporte necessário para enfrentar os desafios e alcançar seus objetivos é fundamental para a promoção de uma sociedade mais justa e equitativa.
*NOTA: Este artigo faz parte do projeto de pesquisa “A dificuldade de acesso dos movimentos sociais a recursos e a construção de uma nova cultura política de doação”, de Albert França da Costa, desenvolvida no âmbito do Programa Saberes da Rede Comuá.
AUTOR: Albert França da Costa é estudante, pesquisador e ativista engajado há sete anos nas lutas sociais, militante do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e Coordenador da Pacová – Articulação de Cooperação do Campo à Cidade, e tem se dedicado intensamente à causa da justiça social.