Se um novo mundo é possível, uma nova filantropia também deve ser

Por Matheus Viana*

Democratizar os recursos é fundamental para florescer a democracia.

A filantropia brasileira ainda concentra poder e decisões. Uma parte expressiva dos recursos estão localizados nas grandes organizações do eixo Rio-São Paulo, em contraponto a isso as organizações de base enfrentam o acesso limitado a recursos e principalmente apoio institucional. Além disso, os recursos tendem a se concentrar em temas mais visíveis e de maior impacto midiático, em organizações maiores ou já consolidadas, e em projetos de curto prazo, com ainda pouco recurso para fortalecer o desenvolvimento institucional de OSCs e movimentos sociais. Esse desequilíbrio evidencia que, apesar de mobilizar grandes volumes de investimento, a filantropia ainda falha em distribuir recursos e apoios de forma estratégica e abrangente.

Esse modelo reproduz desigualdades históricas e constrói a ideia de que a democracia poderia florescer sem garantir voz, autonomia e estrutura para os territórios que estão na linha de frente da defesa de direitos. Como se fosse possível avançar em participação e justiça social mantendo à margem justamente quem, no cotidiano, enfrenta as desigualdades.

Enquanto isso, os movimentos populares constroem soluções sistêmicas todos os dias. Nas periferias, no campo, nas águas e nos territórios tradicionais, coletivos e organizações populares criam alternativas reais para problemas sociais, econômicos e climáticos. Atuando de forma coletiva, unindo gerações, territórios, identidades e diferentes perspectivas em ações estratégicas e integradas. E mais do que imaginar um novo mundo, o novo mundo já está sendo construído aqui e agora, muitas vezes sob risco das próprias vidas.

Mas a lógica da filantropia tradicional não acompanha esse movimento. Os recursos ainda priorizam grandes instituições, projetos de curto prazo ou agendas descoladas da realidade local. Falta confiança, transparência e apoio institucional para que organizações populares possam planejar o futuro e sustentar suas ações no tempo.

É nesse contexto que a filantropia solidária se afirma como a metodologia que adotamos na Pacová. Uma prática que redistribui recursos de forma radical, confia nos sujeitos coletivos e reconhece que os territórios sabem o que precisam e como agir. Ao mesmo tempo, provoca o ecossistema filantrópico a rever suas lógicas de concentração e controle, fortalecendo caminhos mais democráticos, horizontais e comprometidos com a justiça social e climática.

Com esse balanço nasceu o Fundo de Apoio a Organizações Populares (FAOP) afirmando que é preciso apoiar organizações de base, coletivos e movimentos sociais. Operamos com confiança, flexibilidade e escuta ativa, mostrando que é possível criar novos modelos de gestão para que os recursos cheguem efetivamente aos territórios. Ao atuar dessa forma, buscamos romper com a ideia de que algumas organizações não estariam preparadas para acessar recursos, fortalecendo organizações de base que promovem Direito ao Território, Soberania Alimentar, Luta das Mulheres e Bem-Viver, Soberania Hídrica, e Justiça Socioambiental e Climática.

Essa experiência mostra que é possível fazer diferente: financiar quem está no centro das lutas e garantir que esses recursos cheguem de forma simples, sem burocracia e com escuta ativa. É um exercício de descentralização do poder e de construção coletiva, que reafirma que outra filantropia não só é possível, como já está acontecendo.

Se queremos uma democracia viva, precisamos de uma filantropia viva. Uma filantropia que descentraliza, que confia e fortalece os territórios. Uma filantropia que coloca os movimentos sociais no centro das decisões e dos recursos.

Se um novo mundo é possível, uma nova filantropia também deve ser.

*Matheus Viana é Coordenador de Operações da Pacová e Gestor do Fundo de Apoio a Organizações Populares (FAOP)