Publicado originalmente no blog do Movimento Por Uma Cultura de Doação
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Por Albert França*
Doar é fazer escolhas políticas. Não basta pensar a doação como gesto individual, assistencialista e/ou caritativo, ela ganha mais sentido quando entendida como parte de um compromisso. Fazer uma doação com compromisso coletivo de redistribuição, solidariedade e corresponsabilidade é deslocar recursos para os lugares vivos, onde se tecem as lutas e se produz o comum. É um gesto intencional, sustentado pela confiança, que reconhece nos movimentos sociais, nos coletivos e em outras formas de organização sujeitos políticos que não apenas precisam de recursos, mas que os transformam em possibilidades de futuro.
E sustentar a disseminação de uma cultura de doação tem um ponto desafiador, entre tantos, o de ecoar que doar não é apenas contribuir para que projetos específicos aconteçam, mas sobretudo garantir que as organizações, com sua radicalidade, possam existir plenamente. Lutar contra desigualdades estruturais, enfrentar violências cotidianas e sustentar processos de transformação exige recursos que assegurem não apenas atividades, mas também continuidade, estabilidade, profissionalização, autonomia. O ato de doar, nesse sentido, é inseparável da decisão política de sustentar a radicalidade das lutas sociais.
Esse entendimento tem atravessado minha trajetória pessoal e o trabalho que realizo. Desde que me engajei com as lutas sociais, fui aprendendo que doar, apoiar ou sustentar uma organização não é algo neutro: é sempre um gesto de alinhamento ético, de corresponsabilidade com aquilo que se afirma e constrói. O vínculo entre quem doa e quem recebe não é técnico nem burocrático, mas profundamente político. Quando alguém doa, não está apenas transferindo recursos, mas se implicando em uma história coletiva, assumindo a responsabilidade de compartilhar riscos, conquistas e horizontes.
No trabalho que faço na Pacová, esse aprendizado tem se traduzido em prática cotidiana. Atuamos com organizações populares, buscando justamente criar as condições para que possam existir com autonomia, consolidar seus processos internos e sustentar suas agendas políticas. Não se trata apenas de apoiar projetos pontuais, mas de contribuir para que elas tenham condições materiais de decidir seus próprios caminhos, de investir em seu fortalecimento institucional, apoiar a ampliação da sua capacidade de incidência. O que fazemos, em última instância, é insistir em uma ideia simples, mas transformadora: doar é confiar, e confiar é reconhecer que são essas organizações, enraizadas nos territórios, que carregam a radicalidade necessária para enfrentar as desigualdades e construir justiça social.
Por isso, quando falamos em fortalecer uma cultura de doação, não estamos defendendo simplesmente mais recursos para as organizações da sociedade civil (e isso por si só já é incrível!). Estamos defendendo uma mudança de paradigma: compreender que doar é ato político, intencional e radical, capaz de sustentar a continuidade das lutas, de ampliar a potência das organizações e de criar vínculos de corresponsabilidade entre quem doa e quem recebe. É esse o horizonte que seguimos construindo: uma cultura de doação que não se contenta em aliviar problemas, mas que se compromete em transformar as estruturas que os produzem.
*Albert França é militante dos movimentos sociais, diretor executivo da Pacová e integrante do Movimento por Uma Cultura de Doação.