A resposta vem das margens, e a juventude sabe disso!

Publicado original no Papo de ONG da Sociedade Viva

por Albert França, Lavínia Pinheiro e Matheus Viana

Pacová – Articulação de Cooperação do Campo à Cidade

A crise climática é o maior desafio do nosso tempo. Seus efeitos atingem todas as pessoas, mas de forma profundamente desigual. Essa desigualdade tem classe, raça, gênero e território. Chuvas intensas e a falta de planejamento urbano causam enchentes, deslizamentos e a destruição de casas em periferias urbanas. No semiárido, secas severas inviabilizam o cultivo de subsistência, secam açudes e colocam em risco o abastecimento de água de comunidades inteiras. 

Esses impactos recaem com mais força sobre populações historicamente vulnerabilizadas, com acesso limitado a direitos básicos como moradia digna, saneamento, educação, saúde e segurança alimentar — e são, em sua maioria, pessoas negras, mulheres, comunidades tradicionais e juventudes periféricas. Ao mesmo tempo, embora 85% dos jovens brasileiros entre 16 e 24 anos reconheçam que a crise climática é causada por ação humana, o maior percentual entre todas as faixas etárias, segundo o Datafolha, são essas mesmas juventudes que têm menos acesso aos espaços de decisão e aos recursos financeiros que moldam o presente e o futuro. 

O financiamento climático ainda está concentrado em grandes instituições, projetos verticais e lógicas distantes das realidades locais. Essa concentração é reflexo de uma estrutura que ignora a potência das soluções populares e reforça o abismo entre quem vive a crise e quem decide sobre ela. Para ser justo e eficaz, o financiamento climático precisa ser descentralizado, interseccional e enraizado nas margens, fortalecendo quem já está agindo, com criatividade, coragem e urgência.

Corpos e territórios sob ataque: juventudes organizando a resposta

Quando olhamos com mais atenção, vemos quem são os corpos que ocupam esses territórios mais afetados: jovens, pessoas negras, mulheres, pessoas trans e travestis, especialmente nas periferias e no meio rural. Esse impacto não é coincidência. É resultado direto de processos históricos de exclusão, desigualdade e racismo ambiental. Esse cenário, que só se aprofunda, gera medo, incertezas e uma sensação crescente de impotência diante do futuro. É o que se chama de ansiedade climática, um sentimento cada vez mais presente entre os jovens que cresceram acompanhando, dia após dia, o avanço da emergência climática e seus desdobramentos.

Se a juventude tem sido uma das principais vítimas da crise, ela também tem se mostrado protagonista das respostas. Soluções criativas, coletivas e profundamente enraizadas no território têm sido desenvolvidas por jovens que se recusam a aceitar o colapso como destino. Os jovens vêm denunciando, com coragem, a insustentabilidade de um modelo econômico que privilegia o lucro acima da vida — e que, caso não mude, continuará nos empurrando rumo ao chamado ponto de não-retorno. Um modelo que se revela, por exemplo, na apropriação desenfreada dos recursos hídricos por grandes produtores de monocultura, como relatado por estudantes do CETEP de Wagner – Bahia, nos relatou o Observatório do Rio Utinga (organização apoiada pela Pacová), que vem monitorando esses impactos nos territórios.

Quando a falta de água nega dignidade: mulheres jovens na linha de frente

Nas comunidades periféricas, a escassez de água não é apenas uma questão de abastecimento — ela é também uma grave violação de direitos. Mulheres e meninas, sobretudo negras, enfrentam cotidianamente a falta de acesso à água potável e ao saneamento básico, o que compromete sua saúde, autonomia e dignidade menstrual. Essa realidade revela o rosto perverso do racismo ambiental, que naturaliza a precariedade em territórios marcados por ausências históricas de políticas públicas. Mas nesses mesmos territórios, pulsa resistência. Iniciativas como o Coletivo Teias Feministas Antonieta de Barros (também apoiado pela Pacová) mostram como é possível articular cuidado, formação política e mobilização juvenil a partir de uma escuta sensível das realidades das meninas, mulheres e pessoas dissidentes de gênero e sexualidade.

Na Pacová, entendemos que a luta por justiça climática é, necessariamente, interseccional: ela exige reconhecer as conexões entre raça, gênero, classe, faixa etária, território e orientação sexual. É por isso que a juventude não está apenas resistindo — ela está recriando caminhos. Cada roda de conversa, horta comunitária, rede de apoio e protesto são sementes de um outro mundo possível. Um mundo onde viver com dignidade não seja exceção, mas regra. Onde a utopia não seja sonho distante, mas horizonte que guia nossos passos. Porque, como dizem, a utopia é o que nos faz caminhar. E a juventude já está em marcha — com força, com afeto e com coragem

Filantropia que escuta, confia e apoia

A Pacová nasceu da inquietação de quem decidiu fazer diferente. Somos uma organização criada e liderada por muitas pessoas jovens, provocadas por um modelo de filantropia tradicional que muitas vezes impõe condições, silencia vozes e desconsidera os saberes locais. Nosso caminho tem sido o da filantropia solidária: aquela que se constrói na escuta, na confiança e no reconhecimento das potências já existentes nos territórios.

Foi com esse espírito que lançamos o nosso Fundo de Apoio a Organizações Populares, para fortalecer coletivos e iniciativas comunitárias que enfrentam, no cotidiano, os efeitos da crise climática — e não só resistem, mas reinventam formas de viver, produzir e se relacionar com o meio ambiente.

Entre as iniciativas apoiadas estão a Associação Comunitária Amantes do Sertão, que articula juventude e cultura no âmbito junino; o já citado Observatório do Rio Utinga, com seu trabalho de ciência cidadã e educação ambiental; a Juventude Fogo no Pavio, que atua politicamente e culturalmente em territórios periféricos; o Cursinho Popular Milton Santos, que prepara estudantes para o vestibular a partir de uma formação crítica e comprometida com justiça social e socioambiental; o Coletivo Teias Feministas Antonieta de Barros que trabalha em uma perspectiva interseccional com jovens mulheres e meninas para uma formação política e mobilização social.

Essas experiências mostram que as respostas mais potentes à crise não estão nas grandes conferências, mas nas margens — onde a vida insiste, se reinventa e propõe futuros possíveis.

A juventude já está fazendo sua parte. E você, está ouvindo?

Autores: Albert França, Lavínia Pinheiro e Matheus Viana (Pacová –  Articulação de Cooperação do Campo à Cidade)

Albert é Diretor Executivo da Pacová – Articulação de Cooperação do Campo à Cidade e membro do Movimento Por Uma Cultura de Doação (MCD)

Lavinia Pinheiro é Coordenadora de Programas e Projetos da Pacová – Articulação de Cooperação do Campo à Cidade, mulher negra e ativista.

Matheus Viana é Coordenador de Operações da Pacová – Articulação de Cooperação do Campo à Cidade e coordenador da pesquisa Semear.